Durante anos, a direita se promoveu eleitoralmente fazendo um circo sobre a segurança pública. Vociferava contra os direitos humanos, pedia penas maiores, era contra os dispositivos legais de diminuição de penas. Não tem muito tempo, os ministros indicados por Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) mantiveram pessoas na cadeia por roubo de alimentos para matar a própria fome.
Fazer carreira política nesse viés é reflexo de uma sociedade amedrontada. No entanto, o discurso recorrente desde a redemocratização, que elegeu vereadores, deputados, senadores, governadores e, pasmem, um presidente da República, nunca trouxe resultados concretos. O tratamento de choque na segurança tem se mostrado ineficaz. Mas o discurso permanece. Bem, permanecia — até pouco tempo atrás. Porque, desde o dia 08 de janeiro de 2023, quando a tentativa de golpe falhou, o discurso sobre ser mais duro com “bandidos” foi deixado de lado. Até os ministros indicados por Bolsonaro reencontraram a palavra “perdão”, escrita em suas bíblias, e têm votado para liberar ou, nos casos mais gritantes de golpismo, pelo menos diminuir as penas.
Desde então, o Brasil assiste a um espetáculo aterrador. Os brucutus de sempre agora ensaiam falas sobre perdão, sobre melhoria do tratamento dos presos, sobre os males de uma prisão que afasta pais e mães de seus filhos, e por aí vai. Na Câmara dos Deputados tramitam inúmeros projetos de lei por uma anistia. Uma direita desavergonhada encabeça todos eles. E aqui precisamos, sim, dizer que não é algo restrito à extrema-direita — passou o tempo disso. Apoiar os golpistas, em atos e discursos, tem sido feito pela direita de um espectro a outro. Uns mais contidos, outros desavergonhadamente.
A narrativa muda conforme sopra qualquer brisa oportunista no mundo da política. Os acampamentos nos quartéis, o bloqueio de estradas, o pedido incessante por intervenção militar — tudo foi apoiado por parlamentares, influenciadores, enfim, a caterva toda. Parlamentares até usaram suas redes sociais para convocar a participação no 8 de janeiro de 2023. Interessante que essas figuras, que, como arroz de festa, não perdem uma oportunidade de se juntar aos parvos uniformizados com camisetas da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), não foram para a Praça dos Três Poderes. Gravaram, de distância segura, seus apoios; compartilharam vídeos dos ataques, até. Tudo deletado quando viram que a aventura dera muito errado.
Aí vieram as acusações de que aquela manifestação era da esquerda. Ops, mas eles a convocaram. Então veio a fábula de que eram esquerdistas infiltrados. Essa até algumas emissoras de TV tentaram endossar, divulgando vídeos que forçavam a identificação de membros do governo ajudando os golpistas. Também não colou. O Brasil se uniu contra os ataques. Os militares não se moveram nos quartéis, apesar de um ou outro ter atuado de forma dúbia em relação aos acampamentos em área militar. O golpe foi derrotado. Os inquéritos foram feitos, prisões foram realizadas. A investigação revelou todo o enredo da ópera bufa, que saiu do núcleo duro do governo Bolsonaro, demonstrando a linha tênue que liga o inelegível em detalhes à tentativa de golpe.
Mais conversa estapafúrdia: não poderia ter sido golpe porque falhou. Não foi golpe porque não houve armas. Os pobres golpistas seriam avozinhas e mãezinhas portando bíblias e batom vermelho vivo. As imagens desmentem tudo isso. A violência com que os golpistas se atiraram sobre o diminuto efetivo policial desmente tudo. A depredação, não de uma, mas das três sedes dos Poderes, é outra prova de que houve golpe. Derrotado, sim, mas ainda assim um golpe.
Em 2025, confiando que a memória do povo brasileiro tenha esquecido as imagens chocantes daquele janeiro de 2023, tentam agora tomar as ruas para pedir anistia. Jair Bolsonaro é um dos réus e quer escapar da cadeia que o aguarda ao fim de todo o processo legal. As manifestações levaram às ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro um bom número de radicais — o que restou à direita ao levantar essa bandeira, extremamente impopular para os brasileiros. Lotado mesmo estava o carro de som, onde os governadores extremistas foram chafurdar a lama em busca do espólio de Bolsonaro. Este, que não se consegue fazer entender nem mesmo em bom português, ensaiou um gorgolejo em um inglês espancado. Para os radicais de verde e amarelo, foi a apoteose. Mas foi apenas o crepúsculo do golpismo.
Entretanto, o Parlamento é aquela terra de ninguém, acostumado a se mover de acordo com seus próprios interesses oportunistas, desligado do que querem os brasileiros. Agem à revelia de seus eleitores. Por isso, é preciso pressionar para que, diferente do que aconteceu com a ditadura militar, os golpistas e autoritários sejam punidos exemplarmente — e tenhamos uma democracia fortalecida.
Aqui, precisamos combater as fake news e ocupar as redes para não deixar colar as narrativas de que não houve golpe. Um golpe derrotado ainda é um golpe. E, se ficar impune, terá cumprido parte do que se propôs: desacreditar a democracia brasileira.
Imagem: Rosinei Coutinho/SCO/STF